quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Retratos da minha vida de submisso - I

Entrei em casa e pousei os sacos de compras no chão da cozinha. Merda, estou mesmo atrasado, pensei. Normalmente chego a casa cedo e tenho algum tempo para preparar as coisas com calma para a sua chegada. Hoje para alem de ter ido ao supermercado apanhei uma enorme fila de transito por causa do um acidente, por isso tempo era algo que não tinha.

Deixei os sacos abandonados e fui para o piso de cima. Tomei um duche rápido, prestando alguma atenção à minha gaiola de castidade e corri para me vestir. Exceto em dias especiais não usava nenhum uniforme especial em casa. As ordens eram usar roupa pratica e confortável, que pudesse retirar facilmente no caso de me ser ordenado e andar descalço, sempre descalço. Enfiei uns calções e uma t-shirt pretos e corri para a cozinha para preparar as coisas para o jantar. Tinha cerca de 15 minutos para adiantar tudo antes dela chegar.

Pouco tempo depois a campainha tocou. Era a campainha que estava ligada ao comando de garagem dela, e que servia para me informar que ela estava a entrar. Sabia que tinha no máximo 3 minutos, o tempo de ela estacionar e entrar em casa. Apesar de a garagem ter ligação direta para casa ela entrava sempre pela porta principal e eu deveria estar lá pronto para a receber.

Tinha sido mesmo à justa, os 15 minutos tinham passado a voar, mas consegui terminar tudo o que precisava a tempo. Dei uma olhadela rápida ao fogão para garantir que nada se iria estragar na minha ausência e fui para a porta de casa para a receber. Prendi a ponta da trela na minha coleira e segurei a pega na boca enquanto me colocava de quatro e esperava.

A minha Senhora entrou, pousou a carteira e a mala do portátil no chão ao meu lado e afagou o meu cabelo.

- Olá querido.

- Bem-vinda a casa Senhora. O seu dia foi bom?

- Nem por isso. Só problemas! Espero que te tenhas portado bem, estou cansada e não preciso de mais chatices hoje.

Pegou na minha trela e dirigiu-se para a sala, comigo sempre de quatro atrás dela, instalou-se no sofá da sala, comigo a seus pés, ordenou que lhe tirasse os sapatos e lhe fizesse uma massagem aos pés, ela precisava de descomprimir.

Enquanto eu me dedicava à minha prazerosa tarefa foi-me contando o seu dia no trabalho. Realmente tinha sido horrível. Já tinha percebido pelo seu tom de voz que vinha bastante irritada, agora percebia o porquê. Sei que quando se encontra neste estado tenho de ter muito cuidado com o chão que piso. Qualquer pequena falha da minha parte desencadeia a sua ira, e isso é algo que não convém mesmo acontecer.

Continuou dizendo que o no dia seguinte iria ter uma reunião muito importante, decisiva para o seu futuro na empresa de consultadoria onde trabalhava. Se corresse bem poderia abrir a porta para a promoção que há muito desejava e merecia. Deu-me instruções precisas sobre a roupa que deveria preparar para ela usar no dia seguinte.

Quando se deu por satisfeita com a massagem ordenou-me que lhe contasse como foi o meu dia, queria saber ao pormenor tudo o que tinha feito. Comecei o meu relato, pela quantidade de perguntas que foi fazendo e pelo seu tom percebi que este “interrogatório” estava muito alem do seu interesse diário normal nas minhas atividades. Estava a ser testado. Tudo o que dizia estava a ser minuciosamente dissecado, procurando uma falha minha, uma razão para a minha Senhora poder extravasar a sua irritação e stress acumulado do dia. Consegui terminar o meu relato sem nada a apontar, com visível enfado por parte dela, e fui dispensado para retomar as minhas tarefas.

Fui cuidadosamente preparar a sua roupa para o dia seguinte, terminar o jantar e varias outras tarefas que me estavam atribuídas. Às 20 horas em ponto fui informar que o jantar estava pronto para ser servido. Mais uma vez tudo passou na sua minuciosa inspeção. Aguardei ajoelhado a seus pés debaixo da mesa que terminasse a sua refeição. Mal me atrevia a respirar enquanto ouvia os seus suspiros de aborrecimento enquanto brincava com a comida no prato. Quando terminou deu-me autorização para comer e retirou-se.

Jantei, no chão ao lado da mesa, e em seguida arrumei, tentando ser o mais silencioso e discreto possível, verificando varias vezes se tudo ficava imaculado. Em seguida dirigi-me à sala, onde a minha Senhora se encontrava. Num dia de semana normal ficaríamos juntos, ela num sofá e eu no chão a seu lado, a conversar, ver televisão ou ler até que fosse hora de irmos dormir, se fosse um dia especial poderia haver algo mais interessante. Nesse dia foi-me ordenado que me retirasse para o meu quarto. Estava dispensado e não a deveria incomodar.

O meu quarto ficava imediatamente ao lado do seu. Era um pequeno quarto, espartanamente decorado, apenas um armário e uma simples cama de grades, que permitia em caso de necessidade aplicar acessórios para restringir os meus movimentos. Deitei-me e no escuro ali fiquei a pensar. Tinha conseguido passar a noite sem percalços. O estado de esprito da minha Senhora estava como uma fornalha prestes a explodir. Sabia que se lhe tivesse dado a mínima oportunidade teria sido eu o alvo da pressão acumulada, o que não seria bonito de ver.

De repente cai em mim, sentei-me na cama abismado com a enormidade do meu egoísmo. A minha Senhora precisava de se libertar do stress daquele dia. Precisava de limpar a cabeça para enfrentar o desafio que seria o dia seguinte. Durante toda a noite tudo nela, as suas ações, a sua impaciência, o seu tom de voz, tinham indicado essa necessidade. E que fiz eu? Neguei-lhe aquilo que ela precisava pensando apenas no meu bem-estar. Recusei-me a ser o escape que ela tanto precisava. Escondi-me, esquivei-me de a servir.

Levantei-me em silencio e fui ao seu quarto. Do piso de baixo não vinha nenhum ruido. No seu closet, sobre uma Chaise longue, estava a roupa preparada para ela usar no dia seguinte. Peguei com muito cuidado na blusa branca impecavelmente por mim passada a ferro. Respirei fundo varias vezes, pensando nas consequências do que estava prestes a fazer e amachuquei-a ligeiramente, não muito apenas o suficiente para ficar com alguns vincos. Voltei a pousar no local e em silencio fui para o meu quarto e aguardei.

Ouvi os seus passos no corredor e a porta do seu quarto a abrir e fechar. Alguns minutos depois voltei a ouvir os mesmos sons e os seus passos a aproximarem-se do meu quarto. Fechei os olhos fingindo dormir. A porta do meu quarto abriu inundando a divisão de luz.

- LEVANTA-TE ! JÁ !

Saltei da cama e imediatamente assumi posição, ajoelhado.

- Não serves mesmo para nada! És um imprestável! Um inútil!

Sem ver, apenas pelo tom de voz, apercebi-me que os seus lábios tremiam de raiva enquanto falava.

- Eu faço tudo por ti, ninguém poderia querer uma Dona melhor que eu, e é assim que me agradeces?

- Sabias que amanha iria ser um dia muito importante para mim, que queira tudo perfeito e tu tinhas de estragar tudo com a tua incompetência.

- Só tinhas que fazer o que te ordenei. Será pedir muito? Será que nem uma simples tarefa consegues cumprir?

- VAI LÁ PARA BAIXO E ESPERA POR MIM.

O lá para baixo era a nossa cave que tinha sido transformada em masmorra. Na verdade não era propriamente uma masmorra tradicional. Era uma divisão ampla com chão de madeira branca, paredes todas brancas, com armários também brancos embutidos onde estavam guardados todos os acessórios. No teto havia algumas argolas que passavam perfeitamente despercebidas quando não eram usadas. As únicas coisas que denunciavam o propósito daquela divisão eram uma cruz de Santo André e um banco imobilizador que se encontravam junto à parede do fundo. Uma porta de correr que fechava essa zona ocultava essas duas peças, por isso já varias pessoas tinham visitado a nossa cave sem se aperceberem de que se tratava de uma masmorra.

Assim que entrei na divisão, abri um dos armários onde se encontravam vários chicotes, chibatas, floggers palmatorias, varas, pinguelos e até uma pequena mangueira de borracha. Sem hesitar peguei num pequeno chicote de couro entrelaçado com uma só ponta que sabia ser o seu preferido. De uma gaveta retirei um par de luvas em couro. Fui para junto da cruz onde fiquei ajoelhado com o chicote e as luvas nas mãos esperando pela sua chegada.

Quando ela entrou levantei ligeira e discretamente a cabeça para a ver.

A minha Senhora gosta de se vestir a rigor para as nossas sessões. Normalmente as peças de roupa preta, em couro ou latex, são algo que não dispensa. Assim como botas, normalmente com salto alto, mas por vezes de montar, Dr. Martens ou até galochas. Foi com surpresa que reparei que desta vez não o tinha feito. A cobrir o seu corpo apenas estava um corpete de couro preto e umas pequenas calcinhas pretas rendadas. O que mais me chocou foi que estava descalça.

O seu cabelo negro, sempre impecavelmente penteado, que costumava prender para as nossas sessões estava solto e caia-lhe em caxos sobre os ombros nus. Vários fios de cabelo despontavam, como que carregados de eletricidade estática. Os seus olhos faiscavam com uma intensidade e fúria tal que senti um tremor a percorrer todo o meu corpo, imediatamente baixei os olhos para o chão à minha frente.

Naquele breve momento tive aquela sensação de quando se olha para um fenómeno extremo da natureza, um furacão, um tornado, uma tempestade violenta, que nos faz sentir arrebatados pela sua beleza e medo pela sua capacidade destrutiva, que nos faz sentir minúsculos, que nos fascina e assusta ao mesmo tempo. Foi uma das coisas belas que tive o privilegio de ver na minha vida e interiormente lamentei o facto de só ter tido uma fração de segundo para a apreciar.

Ao mesmo tempo percebi-me que ia passar um mau bocado.

Sem uma palavra pegou no chicote, sacudindo as luvas para o chão, ignorando-as. Levantei-me e coloquei-me em posição em frente à cruz. Esqueci-me de pedir autorização para me levantar, mas ela normalmente sempre atenta a questões de protocolo, não reparou. Estávamos os dois em modo piloto automático, sabíamos o que ia acontecer em seguida, nas nossas cabeças o fim já estava decidido, apenas faltava percorrer o caminho, e havia nela urgência em faze-lo.

Assim que acabou de me prender, recuou uns passos e começou.

Normalmente sou disciplinado ao fim de semana. A semana de intervalo entre sessões permite ao meu corpo recuperar razoavelmente. Era quarta feira, algumas das marcas da ultima sessão ainda estavam bem visíveis e bem vivas, assim que o meu castigo começou percebi o quanto iria ser doloroso. As primeiras chicotadas que acertaram em pontos ainda sensíveis do castigo recente arrancaram-me lagrimas de dor.

A minha Senhora costuma ser muito verbal durante a aplicação dos meus castigos. Gosta de durante a sua aplicação ir explicando a razão de estar a ser castigado, de explicar que se o faz não para é seu prazer, mas sim porque eu preciso de ser disciplinado. Por vezes gosta de me humilhar durante o processo, realçando a sua desilusão, o quanto sou fraco, inútil, cheio de falhas e a vontade que tem em me trocar por mais adequado, que a mereça.

Muitas vezes termino as nossas sessões de disciplina em lagrimas, não pela dor do seu chicote, mas sim pela dureza das suas palavras.

Desta vez nem uma palavra saía dos seus belos lábios. Apenas se ouvia o estalar do seu chicote, a sua respiração ofegante do esforço e os meus gemidos de dor que rapidamente se transformaram nos meus gritos de dor.

O seu silencio gritava sobre a minha pele toda a sua raiva acumulada.

Então parou. Ouvi o som do chicote a cair no chão. O único som que ouvia era a sua respiração ainda acelerada lentamente a normalizar.

Passou algum tempo até que me viesse libertar. Quando o fez as minhas pernas falharam, por mais que tentasse não me consegui manter de pé. Deixei-me cair e fiquei no chão junto à cruz, instintivamente coloquei-me em posição fetal. Durante algum tempo senti que ela me observava e em seguida retirou-se, sem chegar a dizer uma palavra que fosse.

Quando me senti capaz de levantar arrumei o chicote e as luvas caídas nos devidos lugares e confirmei que tudo estava devidamente limpo e arrumado. Em seguida fui à lavandaria onde encontrei a blusa que ela pretendia usar já no monte de roupa para passar. Cuidadosamente passei a blusa a ferro até ficar sem um único vinco, impecável como a minha Senhora sempre exigia. Subi e pé ante pé entrei no seu quarto. Pelo ritmo da sua respiração assumi que já dormia. Fui ao seu closet e sem um ruido peguei na blusa que ela tinha separado para usar em substituição da amarotada, arrumei-a e cuidadosamente voltei a colocar a acabada de passar junto com a roupa a usar no dia seguinte.

Deitei-me na cama, esgotado física e psicologicamente. Por breves momentos, fui invadido por uma enorme sensação de felicidade, por ter aplacado a necessidade da minha Senhora, e então adormeci profundamente.

Acordei de repente com a sensação de que estava a ser observado. Reparei que entrava uma luz fraca pela porta do quarto estava entreaberta. Tentei me levantar, mas imediatamente senti uma mão no peito que me impediu de o fazer. Na penumbra consegui distinguir a silhueta da minha Senhora que se encontrava aninhada junto à minha cama. Tentei falar, mas um dedo foi colocado sobre os meus lábios. Num sussurro disse:

- Shhh. Eu sei o que fizeste.

Novamente tentei sair da cama, para assumir a minha posição a seus pés, como sempre fazia. Mais uma vez a mão no meu peito me impediu de o fazer. Mais uma vez um sussurro.

- Sei o que fizeste, e sei que o fizeste por mim.

Não respondi. Deixei-me ficar imóvel. Retirou a sua mão do meu peito e acariciou levemente o meu cabelo. Lentamente aproximou os seus lábios da minha testa e deu-me um beijo, longo, casto, cheio de carinho, de amor. Durante mais uns momentos senti o seu olhar, depois ergueu-se e dirigiu-se para a porta. Antes de sair parou, voltou-se, com a sua silhueta a recortar-se na luz que vinha de fora e desta vez não sussurrando, mas sim no seu tom de voz normalmente autoritário acrescentou:

- Não me voltes a tentar enganar. Se o voltares a fazer vais-te arrepender.

A porta do meu quarto fechou e tudo ficou escuro.




Nota final:

De tudo o que escrevi até hoje este conto foi talvez o maior desafio. Tentar descrever a dinâmica de uma relação Domme / sub num contexto 24 / 7 não foi nada fácil. De certeza que cometi erros (muitos) de protocolo, mas sendo uma fantasia tenho a certeza que não me levarão a mal por isso.

A minha ideia inicial era algo bem mais hardcore, mas a medida que fui escrevendo o meu lado mais romântico (o Tony Carreira que há em mim) tomou conta e o resultado final acabou por ser mais suave.

Quando olho para o que escrevo fico sempre com a sensação de que os contos são demasiado longos (aborrecidos ?), mas por mais que tente não consigo resumir mais. É algo em que tenho de trabalhar.

1 comentário:

  1. É deveras interessante ler como descreve algo que diz nunca ter vivido. São os pequenos detalhes de atenção para com o outro que dão valor às conexões D/s, e a todas as relações. E saber que há necessidade de um escape e dar-se como forma de libertação é uma dádiva recebida e muito valorizada por quem Domina.

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